quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma nova vida sempre é possível

Artigo


Domingo, três de abril de 2011. Pedro Osório completa 52 anos. A cidade movimenta-se toda faceira em torno das comemorações da data que marca sua emancipação política.

Juiz de Direito no RS, Marcelo
Malizia Cabral.
Tomando um chimarrão, relembrava os doze anos em que lá residi e trabalhei. Minha curiosidade não me deixava descansar e meus olhos vertiam para a praça central da cidade em busca de alguém que pudesse me informar sobre a Cooperativa João-de-Barro, projeto que ajudei a criar e que busca a geração de  trabalho e renda para egressos do sistema prisional. Como ninguém passasse ou nada ofertasse para nutrir meu desejo, resolvi procurar a casa de daquele que era seu presidente quando deixei de trabalhar na cidade, em 2007.

Quase às margens do Rio Piratini encontrei André Luís. Outrora um “sem-rumo”, orgulhoso, exibia suas duas filhas que dormiam em um sofá. Sua esposa estava no trabalho e ele ausentara-se por poucos instantes do bar que abriu ao deixar a Cooperativa. Me convidou para entrar. Na mesa de entrada da casa, o troféu conquistado pela Cooperativa João-de-Barro em 2005, quando vencedora do Prêmio Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS. Em uma pasta, documentos, fotografias e lembranças do tempo em que trabalhara na João-de-Barro. E uma gravata borboleta: “Essa aqui, doutor, é a gravata com que servi o Presidente do Tribunal, o Desembargador Stefanello, quando a Cooperativa completou seu primeiro ano”, disse-me, com voz e olhos embargados.

Dali, fui à casa de seu primeiro presidente, Itailor. Eram cerca de 11 horas. Atendido por seu pai, Itagiba, que custou a me conhecer, exclamou: “Itailor, o doutor está aqui, quer falar contigo”. Com as mãos sujas de cimento, Itailor aproximou-se. Trocava o piso da casa. Mostrou-me seus dois filhos que brincavam com o avô à frente da casa, na rua de chão batido. Contou-me que está a trabalhar de “carteira assinada” na construção da rede de esgotos da cidade. Relatou-me, ainda, que a Cooperativa segue em plena atividade e indicou-me a casa de seu atual Presidente, Luiz Carlos.

Pensativo com a acolhida que receberia daquele em relação a quem firmei alguns decretos condenatórios no passado, aproximei-me da casa. Luiz Carlos, com um sorriso espantado, saudou-me. Contou-me que depois de cerca de uma década na prisão, retornando a Pedro Osório, foi acolhido pela Cooperativa João-de-Barro. Está na posição de Presidente. A olaria onde produziam tijolos está arrendada, pois as burocracias legal e fiscal não os deixou prosseguir na atividade. Com o valor do arrendamento, pagam os impostos para a Cooperativa funcionar. Com cerca de dez trabalhadores, prestam serviços de limpeza de vias públicas para as Prefeituras de Pedro Osório e Cerrito. Buscou, radiante, uma pasta com documentos. O primeiro a mostrar-me foi a quitação dos tributos municipais. No talão de notas, a mostra da pujança da Cooperativa, com várias prestações de serviço registradas. Ao fundo, um cheque que recebera em pagamento de serviços a descontar na segunda-feira. Contou-me que seus sonhos são reativar a olaria, construir uma sede e ampliar a Cooperativa para receber mais egressos do sistema prisional.

Satisfeito, voltei para casa e contei para minha família que se confirmara aquilo em que sempre acreditei: Uma nova vida sempre é possível.

Marcelo Malizia Cabral, Juiz de Direito no RS. Especialista em Direitos Humanos pela UFRGS - mmcabral@tj.rs.gov.br




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