quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O DEVER DE PAGAR IMPOSTOS E A EXECUÇÃO FISCAL


Vivemos em uma sociedade que se orgulha de deter um dos mais completos ordenamentos jurídicos no que diz respeito ao estabelecimento de direitos do ser humano, sejam eles direitos individuais, coletivos, econômicos, sociais ou culturais.
Exatamente em razão dessa natureza abrangente e protetiva, a Constituição Federal do Brasil é reconhecida universalmente como uma das cartas de direitos mais completas do mundo relativamente à garantia de direitos à humanidade.
Ao lado dessa profusão de normas legais estatuindo uma diversidade fantástica de direitos, fazendo com que vivamos em uma verdadeira “era dos direitos” ou “sociedade dos direitos”, desenvolve-se uma consciência coletiva de que cada um de nós e todos nós a um só tempo somos titulares dos mais variados direitos.
Quando falo a jovens estudantes sobre as questões relacionadas aos direitos e à justiça, costumo relacionar a vida dos seres humanos com a vida dos direitos: digo a eles que os deveres são tão fundamentais aos direitos quanto o oxigênio à vida humana.
Da mesma forma que a vida humana não se desenvolve sem oxigênio, os direitos não se sustentam sem a observância dos deveres.
Então, os direitos não sobrevivem sem que se realizem os deveres que os sustentam.
É preciso que se assente, a esta altura, que não se está a criticar ou menosprezar a importância de que uma sociedade tenha seus direitos bem definidos e protegidos.
O que se está a denunciar é a doença de que pode padecer uma sociedade que não reconhece e não confere igual ou maior importância a seus deveres.
Quando se fala do dever de pagar impostos, este raciocínio torna-se ainda mais evidente: reclamamos diariamente das prestações do poder público nas áreas de segurança, mobilidade urbana, saúde, educação, dentre outras, ao mesmo tempo em que buscamos de todas as formas fugir à obrigação de colaborar com a máquina pública.
Não por acaso, em cerca de um terço dos processos em tramitação na justiça brasileira o poder público busca fazer com que algum cidadão ou empresa cumpra sua obrigação de pagar impostos: são as execuções fiscais.
Justamente por este motivo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul está desenvolvendo um mutirão de trabalho no litoral norte, nos meses de veraneio, quando as pessoas podem ser mais facilmente encontradas, para agilizar o andamento desses processos.
Na Comarca de Torres, onde estou atuando desde o primeiro dia deste ano, as execuções fiscais eram 13 mil e representavam 58% dos processos cíveis da Comarca. No RS, somavam 737 mil no último mês de dezembro.
Fruto de intenso trabalho, logramos encerrar cerca de 4 mil desses processos, penhorar bens, realizar leilões e, finalmente, liberar valores à Fazenda Pública.
Estudam-se medidas de otimização das execuções fiscais, como sua desjudicialização, facilitação do processo expropriatório e a desburocratização do processo judicial.
Não se desconhece, de outro lado, a alta carga tributária brasileira, que se alimenta, dentre outros fatores, da sonegação e do não pagamento de impostos, mas o melhor caminho será o descumprimento dessa obrigação ou seria prudente que fizéssemos nossa parte e exigíssemos, então, a melhoria dos serviços públicos e a redução desses encargos?
Enfim, de que adianta todo esse esforço do Poder Judiciário para dar cabo a cerca 4 mil execuções fiscais na Comarca de Torres, se neste ano outros milhares de contribuintes deverão, novamente, descumprir seu dever fundamental de pagar impostos, a exemplo do que ocorre em todo o país.
De qualquer sorte, a pergunta que deixo é a seguinte: até quando precisaremos de um processo judicial para que um cidadão ou uma empresa cumpra seu dever de pagar impostos?


Marcelo Malizia Cabral, Juiz de Direito em Pelotas, RS, designado para o Projeto Justiça no Veraneio na Comarca de Torres (mmcabral@tj.rs.gov.br).