Vivemos
em uma sociedade que se orgulha de deter um dos mais completos ordenamentos
jurídicos no que diz respeito ao estabelecimento de direitos do ser humano,
sejam eles direitos individuais, coletivos, econômicos, sociais ou culturais.
Exatamente
em razão dessa natureza abrangente e protetiva, a Constituição Federal do
Brasil é reconhecida universalmente como uma das cartas de direitos mais
completas do mundo relativamente à garantia de direitos à humanidade.
Ao
lado dessa profusão de normas legais estatuindo uma diversidade fantástica de
direitos, fazendo com que vivamos em uma verdadeira “era dos direitos” ou
“sociedade dos direitos”, desenvolve-se uma consciência coletiva de que cada um
de nós e todos nós a um só tempo somos titulares dos mais variados direitos.
Quando
falo a jovens estudantes sobre as questões relacionadas aos direitos e à
justiça, costumo relacionar a vida dos seres humanos com a vida dos direitos:
digo a eles que os deveres são tão fundamentais aos direitos quanto o oxigênio
à vida humana.
Da
mesma forma que a vida humana não se desenvolve sem oxigênio, os direitos não
se sustentam sem a observância dos deveres.
Então,
os direitos não sobrevivem sem que se realizem os deveres que os sustentam.
É
preciso que se assente, a esta altura, que não se está a criticar ou menosprezar
a importância de que uma sociedade tenha seus direitos bem definidos e
protegidos.
O
que se está a denunciar é a doença de que pode padecer uma sociedade que não
reconhece e não confere igual ou maior importância a seus deveres.
Quando
se fala do dever de pagar impostos, este raciocínio torna-se ainda mais
evidente: reclamamos diariamente das prestações do poder público nas áreas de
segurança, mobilidade urbana, saúde, educação, dentre outras, ao mesmo tempo em
que buscamos de todas as formas fugir à obrigação de colaborar com a máquina
pública.
Não
por acaso, em cerca de um terço dos processos em tramitação na justiça
brasileira o poder público busca fazer com que algum cidadão ou empresa cumpra
sua obrigação de pagar impostos: são as execuções fiscais.
Justamente
por este motivo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul está desenvolvendo
um mutirão de trabalho no litoral norte, nos meses de veraneio, quando as pessoas
podem ser mais facilmente encontradas, para agilizar o andamento desses
processos.
Na
Comarca de Torres, onde estou atuando desde o primeiro dia deste ano, as
execuções fiscais eram 13 mil e representavam 58% dos processos cíveis da
Comarca. No RS, somavam 737 mil no último mês de dezembro.
Fruto
de intenso trabalho, logramos encerrar cerca de 4 mil desses processos,
penhorar bens, realizar leilões e, finalmente, liberar valores à Fazenda
Pública.
Estudam-se
medidas de otimização das execuções fiscais, como sua desjudicialização,
facilitação do processo expropriatório e a desburocratização do processo
judicial.
Não
se desconhece, de outro lado, a alta carga tributária brasileira, que se
alimenta, dentre outros fatores, da sonegação e do não pagamento de impostos,
mas o melhor caminho será o descumprimento dessa obrigação ou seria prudente
que fizéssemos nossa parte e exigíssemos, então, a melhoria dos serviços
públicos e a redução desses encargos?
Enfim,
de que adianta todo esse esforço do Poder Judiciário para dar cabo a cerca 4
mil execuções fiscais na Comarca de Torres, se neste ano outros milhares de
contribuintes deverão, novamente, descumprir seu dever fundamental de pagar
impostos, a exemplo do que ocorre em todo o país.
De
qualquer sorte, a pergunta que deixo é a seguinte: até quando precisaremos de
um processo judicial para que um cidadão ou uma empresa cumpra seu dever de
pagar impostos?
Marcelo Malizia
Cabral, Juiz de Direito em Pelotas, RS, designado para o Projeto Justiça no
Veraneio na Comarca de Torres (mmcabral@tj.rs.gov.br).